Por Diego Weis Júnior*
Enquanto direito de todos e dever do Estado, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde deve estar sempre presente nos programas e políticas de governo, como forma de cumprimento do texto constitucional e de garantia desse direito fundamental.
Mesmo com os esforços despendidos, inclusive com a criação do Programa Mais Médicos, nosso país ainda ocupa as últimas posições quando o tema é a quantidade de médicos formados anualmente para alcançar a universalização do acesso à saúde preconizada pela Constituição Federal. A Associação Médica Brasileira (AMB), em estudo denominado Demografia Médica 2018 – O Perfil do Médico Brasileiro e a Desigualdade no Acesso à Assistência asseverou que em 2018 o Brasil contava com 452.801, o que representava uma razão de 2,18 médicos para cada mil habitantes.
Por isso, é indesejável o ímpeto governamental em impedir que a iniciativa privada, interessada em investir na formação de médicos, submeta-se ao crivo da autoridade competente para obtenção (ou não) da autorização para tanto, prejudicando o acesso da população a mais serviços, e aos estudantes restringindo as possibilidades de se tornarem médicos se assim quiserem.
Além de relevante ao interesse público, o tema é polêmico. Tanto que, atualmente, o assunto está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). A Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) ingressou com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC n. 81), pedindo que o STF declare constitucional o artigo 3º da Lei dos Mais Médicos. O objetivo da ANUP é impedir que as instituições interessadas possam protocolar diretamente no Ministério da Educação (MEC) o pedido de submissão ao processo de avaliação para oferta do referido curso.
Também há uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 7187), de iniciativa do Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), que por sua vez busca a declaração de inconstitucionalidade do Art. 3º da Lei nº 12.871/2012, especialmente no que tange à limitação da abertura de novos cursos superiores de Medicina por meio de Editais de Chamamento Público. Ambas as ações estão sendo julgadas em conjunto, tendo o ministro Gilmar Mendes como relator, e uma audiência pública já foi realizada.
Foi a partir de 2013, com a Lei 12.871, conhecida como Lei dos Mais Médicos, que houve uma controversa mudança no entendimento sobre os cursos de Medicina. Com o início da vigência da referida Lei, as instituições interessadas em ofertar tal curso superior não poderiam fazê-lo por meio do pedido de submissão ao processo de avaliação pelo MEC, tal como já acontecia e continuou a acontecer para os demais cursos. A partir da Lei dos “Mais Médicos” fora criada a figura do edital de chamamento público, por meio do qual as instituições interessadas concorreriam para a oferta do curso de Medicina nos municípios previamente selecionados pelas autoridades competentes. Dessa forma, o Estado passou a decidir em quais regiões do país poderia ser aberto novo curso de Medicina, impedindo completamente, por conseguinte, a possibilidade das instituições privadas se submeterem ao processo de avaliação para oferta em quaisquer outras regiões.
Desde então, foram realizados apenas dois chamamentos públicos de instituições privadas interessadas em concorrer à autorização de oferta de novos cursos de medicina.
Porém, em 5 de abril de 2018, surgiu a Portaria 328 do MEC, conhecida no setor como “Portaria da Moratória”, que suspendeu por cinco anos o protocolo de qualquer aumento de vaga e, também, de novos editais de chamamento público para autorização dos cursos de Medicina.
A partir de então, na prática, nenhum curso de Medicina poderia ser aberto no Brasil. Ironicamente, essa impossibilidade se desenhou a partir da Lei dos “Mais” Médicos. Isso porque, segundo entendimento então extraído do art. 3º da Lei dos Mais Médicos, em nosso sentir, equivocado, não se poderia mais protocolar diretamente o pedido de submissão ao processo de autorização do curso no MEC, porque só poderiam ser abertos cursos por meio de editais de chamamento público e, por outro lado, a Portaria 328/2018 suspendeu todos os editais, não remanescendo, portanto, nenhuma alternativa para as instituições interessadas se submeterem ao processo de avaliação para autorização do curso.
Alguns juízes e desembargadores passaram a reconhecer judicialmente o direito das instituições de ensino se submeterem ao processo administrativo de avaliação do pedido de abertura de novos cursos de Medicina junto ao MEC, tal como já ocorre com os cursos de Direito, Odontologia, Psicologia e Enfermagem. Na visão desses magistrados, é perfeitamente possível, e até mesmo desejável, que coexistam as duas vias de submissão dos interessados à análise de qualidade para oferta do curso de Medicina, seja por chamamento público ou pelo rito ordinário.
É inegável que a educação, em qualquer nível (fundamental, médio ou superior), ou em qualquer área (Medicina, Direito, Odontologia, Enfermagem, Administração, Engenharia etc.), deve sempre perseguir o ensino de qualidade. No entanto, não nos parece razoável defender o raciocínio de que o poder público não teria condições de regular, com o uso de medidas de avaliação e normatização adequadas, a qualidade dos cursos ofertados no país.
* Diego Weis Júnior é advogado-sócio do escritório Moreira Garcia Advogados, contador, com MBA em Gestão Tributária e já atuou o segmento educacional.
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