Um sábado no parque vira aula de vida: confusão, liderança e coragem em uma crônica envolvente sobre crescer entre socos e reflexões.
Era uma tarde quente de sábado, o sol queimando a nuca e o ar carregado daquele cheiro doce de algodão-doce misturado ao óleo das barraquinhas de milho. Eu sentia o chão de terra batida sob os tênis gastos, o barulho das risadas e dos gritos agudos vindo dos brinquedos ecoando como uma trilha sonora que não parava. Tinha 16 anos, o cabelo despenteado caindo nos olhos, e caminhava com meus três amigos por um parque de diversões em um bairro que não era o meu. Éramos uma trupe desajeitada: eu, o mais novo, um ano ou dois atrás deles na média, tentando acompanhar o passo largo e as piadas que às vezes não entendia. Havia algo naquela tarde que parecia prometer um dia comum, mas o destino, esse velho brincalhão, gosta de virar a mesa quando menos se espera.
A princípio, tudo fluía como um roteiro de filme dos anos 90 que eu assistia nas tardes de domingo: risadas, provocações leves, o som metálico das fichas caindo nas máquinas de fliperama. Mas então, como numa virada de página que ninguém prevê, o clima mudou. Um dos meus amigos – aquele que sempre falava alto e tinha um sorriso torto que conquistava qualquer um – resolveu se engraçar com uma moça de olhos vivos e saia rodada. Ela riu, mas o namorado dela, que apareceu do nada com uma turma que parecia saída de um clipe de rap dos anos 2000, não achou graça nenhuma. Eram muitos. Dois para cada um de nós, pelo menos. O ar ficou denso, as palavras voaram como facas mal afiadas, e o diálogo, que nunca foi nosso forte, desmoronou em segundos.
Foi quando o caos se instalou. Um empurrão, um grito, e de repente estávamos no meio de um ringue improvisado, sem luvas nem regras. Eu senti o coração bater no peito como um tambor descontrolado, o suor escorrendo pelas têmporas, e entre o medo e a adrenalina, uma ideia brotou na minha cabeça. “Vamos pro paredão da casa assombrada!”, gritei, apontando para a estrutura de madeira preta com caveiras pintadas que tremia com o som de motores e risadas gravadas. “Lá ninguém nos pega pelas costas!” Era o plano de um garoto que lia gibis de super-heróis e assistia filmes de guerra na TV a cabo, achando que liderança era só apontar o caminho e os outros seguiriam.
Eles correram. Eu corri. Pensei que estávamos juntos, que o paredão seria nosso escudo, como numa fortaleza de um jogo de videogame que eu jogava até altas horas nos anos 80. Mas quando cheguei lá, encostando as costas na madeira úmida que cheirava a mofo e tinta barata, olhei ao redor e vi… nada. Só eu. Meus amigos tinham desaparecido na multidão, fugindo cada um por si, enquanto eu, o estrategista de primeira viagem, ficava ali, sozinho, encarando uns seis caras – não vou dizer sete, porque não gosto de exageros que soam a lorota. Eram sombras largas, punhos cerrados, e eu, com meu metro e setenta de coragem e um cérebro gritando que aquilo não ia acabar bem.
O primeiro soco veio rápido, um estalo no rosto que fez o mundo girar como um carrossel quebrado. Caí contra o paredão, senti o gosto de ferro na boca, e o que veio depois foi um borrão de golpes e gritos. Não sei dizer quanto tempo durou – minutos, talvez, que pareceram horas. Mas houve um instante, um lapso, uma brecha na dança desajeitada deles, e eu, todo quebrado, com o corpo doendo como se tivesse sido atropelado por um caminhão de entregas da coca-cola, vi a chance. Rolei para o lado, levantei num salto torto e corri. Corri como louco, os pés batendo na terra, o vento cortando o rosto machucado, sem rumo, sem olhar pra trás. E eles? Acho que cansaram de mim. Talvez eu fosse um troféu pequeno demais pra perseguir. No estado em que eu estava, um passo mais firme deles e eu estaria no chão de novo.
Uma semana depois, já com os hematomas virando tons de roxo e amarelo, como uma tela abstrata que eu não escolhi pintar, o dia ainda ecoava em mim. Não era só a dor física – era algo mais fundo, uma rachadura na forma como eu via o mundo. Aquele paredão me ensinou que liderar não é só gritar uma ideia no calor do momento; é saber se os outros estão realmente contigo, se o plano faz sentido além da tua própria cabeça. E aprendi mais ainda quando, dias depois, topei com três daqueles caras numa rua qualquer. Dessa vez, não tinha paredão, não tinha fuga. Foi só eu, um olho roxo novo e eles um pouco pior que eu. Não era vingança – era só a vida me dando outra aula, mostrando que às vezes a gente cresce nos tombos, não nas vitórias.
Aquela tarde de sábado ficou marcada como um vinil riscado na minha memória, um som que não sai da cabeça mesmo quando o toca-discos para. Eu era um canceriano do ano do dragão, nascido numa quarta-feira de julho, cheio de água e fogo misturados, sensível demais pra ignorar as emoções, intenso demais pra não reagir. E ali, entre o cheiro de pipoca queimada e o som de um rádio FM tocando um hit dos anos 80, comecei a entender que a gente não nasce sabendo quem é – a gente descobre, pedaço por pedaço, às vezes com o corpo doendo e o orgulho em frangalhos.
Penso nos meus amigos, que sumiram na correria, e não guardo mágoa. Cada um carrega seu próprio caos, suas próprias sombras. Talvez eles tenham corrido por medo, talvez por instinto. Eu também corri, no fim das contas. Mas o que ficou foi mais que uma briga de parque. Foi o primeiro vislumbre de que a vida é um espelho torto: te mostra quem você é quando menos espera. Já ouvi alguém dizer – num livro de filosofia que li anos depois, ou num papo de bar que misturava cerveja e ideias – que a gente só conhece o próprio tamanho enfrentando o que não controla. Naquele dia, eu medi o meu. Pequeno, mas teimoso. Frágil, mas vivo.
Hoje, olho pra trás e vejo aquele garoto de 16 anos como um velho amigo que me ensinou a ouvir o silêncio depois do barulho. A liderança que eu tentei improvisar no paredão não era de manual de gestão, nem de palestra motivacional com slides coloridos. Era crua, instintiva, cheia de falhas. Mas era minha. E as lições? Essas vieram depois, nas conversas que tive comigo mesmo, nas noites em que sonhei com o parque e acordei com o coração acelerado, nos dias em que percebi que o mundo não para pra te explicar nada – você é que tem que correr atrás do sentido.
Eu, Alessandro Turci, deixo aqui este pedaço de mim. Um pedaço esculpido em terra batida, endurecida pelos passos apressados de um sábado que nunca esqueço, salpicada de risadas cortadas pelo vento e pelo susto, marcadas por socos que doeram não só na carne, mas na alma ainda verde de um garoto de 16 anos. Um pedaço tecido com as correrias que salvaram – não só da briga, mas de uma versão de mim que ainda não sabia o quanto podia suportar. Olhar pra dentro é assim: um mergulho bagunçado, como pular num rio de correnteza forte sem saber nadar direito, um mapa sem linhas retas, cheio de curvas, rasuras e caminhos que só fazem sentido quando você olha pra trás. Mas é esse caos que te leva a crescer – na vida, com suas noites mal dormidas e dias de sol inclemente; no trabalho, onde cada erro é um tijolo numa escada que você nem sabia que estava construindo; e no meio dos outros, onde as vozes se misturam e te desafiam a encontrar a tua.
O que aprendi naquele paredão, entre o cheiro de madeira podre e o som de um carrossel ao fundo, não veio num manual, numa tela de computador ou num discurso ensaiado. Veio nos hematomas que pintei no corpo e nas rachaduras que abriram na minha cabeça. Aprendi que a gente não é uma coisa só – somos muitos, um mosaico de cacos que se juntam com o tempo. Somos o medo que paralisa e a coragem que empurra, o grito que falha e o silêncio que fala mais alto. E isso tudo tem serventia. No pessoal, é o que te faz levantar depois de cair, olhar no espelho e reconhecer que cada marca conta uma história que ninguém mais pode contar. No profissional, é o que te ensina a liderar sem forçar, a ouvir antes de falar, a transformar um plano torto em algo que funcione – porque nem sempre o paredão vai te salvar, mas a ideia de tentar já é um começo.
Como fazer isso? Comece pequeno, como eu fiz sem saber. Pare um instante no meio da correria – seja ela uma briga de rua ou uma reunião que te sufoca – e pergunte: o que isso tá me mostrando sobre mim? Escreva, se puder, num caderno velho ou no canto de uma folha solta, as respostas que vierem. Não precisam ser bonitas, só verdadeiras. Depois, olhe pras suas cicatrizes – as de fora e as de dentro – e veja o que elas te ensinaram sobre resistir. Use isso no dia a dia: na próxima vez que liderar, lembre que o plano só vive se os outros acreditarem nele contigo; na próxima vez que errar, saiba que o tombo é só o primeiro passo pra aprender a andar melhor. É um treino quieto, quase invisível, mas que vai te moldando como água que desgasta a pedra – devagar, mas pra sempre.
E se há um eco que fica, é este: a gente se transforma nas histórias que vive, nas cicatrizes que carrega, nas perguntas que não responde de primeira, mas que fermentam na mente até virar luz. Aquele sábado me mostrou que o sucesso não é só vencer a briga, mas sair dela sabendo quem você é. A saúde é carregar o corpo machucado pra casa e ainda assim rir no dia seguinte. A proteção é confiar que, mesmo sozinho contra seis, algo em você vai achar o caminho. E a paz? É fazer as pazes com o garoto que correu, com os amigos que sumiram, com o mundo que não explica nada. Que você encontre tudo isso na sua própria história – sucesso que vem de tentar, saúde que brota de se cuidar, proteção que nasce de se conhecer, paz que chega quando você para de lutar contra si mesmo. Porque ela, como a minha, com suas falhas e suas forças, é o que te faz inteiro – um inteiro que não cabe em moldes prontos, mas que brilha justamente por ser teu.
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