Uma crônica envolvente sobre a virada de 1989 para 1990, entre mudanças culturais, sonhos e transformações que ecoam até hoje. Mergulhe na jornada!
O ar estava quente naquela noite, um calor pegajoso que grudava a camisa nas costas e fazia o ventilador de teto gemer como se implorasse por descanso. Eu me lembro do cheiro de terra molhada subindo do quintal, misturado ao aroma doce de milho assado que vinha da rua, onde alguém improvisava uma fogueira. Era o último suspiro de uma década que parecia ter corrido rápido demais, como se o tempo soubesse que algo grande estava por vir. Eu estava ali, de pé na varanda, o rádio chiando baixinho uma música que falava de liberdade – não sei se era Renato ou Cazuza, mas a voz carregava um peso que eu sentia sem entender direito. O céu, pontilhado de estrelas, parecia segurar um segredo, e eu, com os olhos arregalados, tentava decifrá-lo.
Não era só o ano que virava. Era como se o mundo inteiro estivesse se dobrando sobre si mesmo, revelando uma nova face. Na televisão, as imagens coloridas dançavam entre propagandas de refrigerante e flashes de um muro caindo em algum lugar distante – um eco que chegava até aqui, até o meu canto de Brasil, onde as ruas ainda carregavam marcas de batalhas que eu era jovem demais para ter lutado, mas velho o suficiente para sentir nas histórias que ouvia. Meu pai, com uma cerveja na mão, ria alto na sala, contando como tudo tinha sido diferente antes, como o silêncio daquelas noites antigas era mais pesado que o barulho dos fogos que logo explodiriam no céu.
Eu gostava de andar descalço pelo quintal, sentindo o chão frio sob os pés enquanto o som de risadas e conversas se misturava ao zunido dos insetos. Havia uma energia no ar, algo que pulsava como as luzes piscantes de um videogame que eu tinha visto na casa de um amigo – uma tela cheia de blocos e saltos, um mundo que parecia prometer mais do que eu conseguia imaginar. Na rua, os vizinhos se reuniam, alguns com violões, outros com latas tilintando, e eu ficava ali, entre o portão e a calçada, vendo as silhuetas dançarem sob a luz amarelada dos postes. Era como se todos soubessem que algo estava nascendo, mas ninguém ousasse dizer em voz alta.
Lembro de uma mulher de vestido brilhante, o tecido refletindo as chamas da fogueira como se ela fosse feita de estrelas. Ela falava alto, gesticulando com as mãos cheias de pulseiras, sobre como o futuro seria diferente – “Vamos escolher quem nos guia agora”, dizia, e eu pensava no peso daquela frase, nas filas que eu tinha visto na televisão, nas vozes que gritavam por algo que parecia ao mesmo tempo tão próximo e tão distante. Havia um cheiro de tinta fresca no ar, como se o mundo estivesse sendo redesenhado, pincelada por pincelada, e eu, um garoto de pés sujos e sonhos confusos, era parte daquele quadro sem nem perceber.
Às vezes, eu me pegava olhando para o céu e imaginando o que vinha depois. Não era só o ano novo, com seus fogos e promessas. Era algo maior, algo que eu sentia nas entranhas, como uma música que ainda não tinha letra, mas cuja melodia já me atravessava. Eu pensava nas máquinas que começavam a aparecer nas casas dos mais ricos, aqueles caixotes barulhentos que cuspiam letras verdes em telas pretas. Pensava nas fitas cassete que eu trocava com amigos, nas vozes que cantavam sobre um amor que eu ainda não conhecia, mas que já me fazia suspirar. Pensava nas histórias que minha avó contava, de um tempo em que o vento trazia mensagens dos antigos, e eu me perguntava se ele ainda soprava aquelas verdades ou se estávamos inventando outras.
A meia-noite chegou com um estrondo, e o céu se abriu em cores que eu nunca tinha visto tão vivas – vermelho, dourado, azul, como se alguém tivesse derramado tinta sobre a noite. Eu fechei os olhos por um instante, sentindo o calor dos abraços, o som das vozes gritando “feliz ano novo”, e algo dentro de mim se acendeu. Não era só alegria. Era uma pergunta que nascia sem palavras: quem eu seria naquele mundo que se desenhava à minha frente? O que eu carregaria daquela noite para os dias que viriam?
Os dias seguintes foram como um sonho que se desfaz aos poucos. A vida voltou ao seu ritmo, mas algo ficou diferente. Eu via as coisas com outros olhos – as ruas cheias de gente falando mais alto, os cartazes coloridos prometendo mudanças, o som de um teclado que alguém tocava na casa ao lado, como se ensaiasse para um futuro que ninguém sabia ao certo como seria. Havia uma força crescendo em mim, uma vontade de entender, de cavar mais fundo, de encontrar sentido naquele caos bonito que era viver. Eu não sabia que estava começando uma dança com o tempo, uma busca que me levaria por caminhos tortuosos, entre máquinas que falam, palavras que curam, e silêncios que ensinam.
Anos depois, eu me pegaria pensando naquela noite, naquela virada que não foi só de um número para outro, mas de um jeito de ser para algo novo. Eu viajava por memórias como quem folheia um livro cujas páginas estão meio apagadas, mas ainda cheiram a tinta. E me perguntava: o que ficou daquele garoto que olhava o céu, sentindo o chão sob os pés e o futuro no peito? O que ele diria se me visse agora, navegando por um mundo de telas brilhantes, vozes gravadas e ideias que cruzam oceanos em segundos?
Talvez ele sorrisse, com aquele jeito meio torto de quem sabe mais do que diz. Talvez ele me lembrasse que o fogo daquela fogueira ainda queima em algum lugar dentro de mim, que as estrelas daquela noite ainda guiam, que o vento ainda sopra – às vezes com ecos antigos, às vezes com promessas novas. E eu, sentado aqui, com o peso dos anos e a leveza de quem aprendeu a ouvir, diria a ele que a jornada não termina. Que cada passo é um espelho, cada escolha um fio que tece algo maior.
Eu, Alessandro Turci, deixo aqui este pedaço de mim – um convite para olhar para dentro, para crescer em todas as direções que a vida oferece, com os pés no chão e os olhos no infinito. Que o passado nos ensine, que o presente nos mova, que o futuro nos acolha. E que você encontre sucesso, saúde, proteção e paz na sua própria história, como eu busco na minha.
Porque, no fim, o que somos senão as histórias que contamos a nós mesmos, sob um céu que nunca para de mudar?
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