Pesquisadores afirmam que medir a área do músculo peitoral também serve como parâmetro de prognóstico para câncer de pulmão (foto: Divulgação)

Ricardo Muniz | Agência FAPESP – A caquexia é uma síndrome metabólica complexa caracterizada pela perda severa de peso e de massa muscular e é especialmente danosa no caso de câncer de pulmão de células não pequenas, acometendo aproximadamente metade dos pacientes. Sua detecção precoce é importante para prever o prognóstico e orientar melhores decisões de tratamento. A condição pode levar a um enfraquecimento muscular e, consequentemente, dificulta a realização de atividades simples do dia a dia, o que torna mais penoso lidar com os efeitos colaterais do tratamento – e com a própria doença. No caso de pacientes com câncer de pulmão, é ainda mais prejudicial, pois piora a função respiratória.

Sarah Santiloni Cury, pós-doutoranda do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, estuda formas de diagnosticar precocemente a caquexia e é uma das autoras de artigo publicado no Journal of Translational Medicine sobre novo método de predição dessa síndrome.

Sua pesquisa foi premiada pela Organização Europeia de Biologia Molecular e Federação das Sociedades Bioquímicas Europeias, em evento que teve como foco as abordagens de inteligência artificial e aprendizado de máquina na pesquisa do câncer.

“Múltiplas ferramentas de triagem são utilizadas para medir a perda de massa muscular, uma delas é a utilização de imagens de tomografia computadorizada na região da terceira vértebra lombar (L3). No entanto, as imagens de pacientes com câncer de pulmão geralmente não incluem a L3”, alerta.

Como forma de contornar essa limitação, o estudo mostrou que analisar a área do músculo peitoral também serve como parâmetro de prognóstico, pois as medidas mostraram associação com o desfecho clínico da doença. Dessa forma, foi possível estabelecer valores de referência com base na área do músculo peitoral, algo que ainda não havia sido determinado. A partir das dimensões de musculatura, dados clínicos e perfil do microambiente tumoral, foi construído um modelo de classificação dos pacientes.

O grupo de pesquisa utilizou o aprendizado de máquinas para gerar um modelo de predição de perda muscular. Inicialmente, foram obtidas as medidas da área do músculo peitoral de 211 pacientes com câncer de pulmão a partir de tomografias computadorizadas disponíveis publicamente no repositório The Cancer Imaging Archive (TCIA).

Posteriormente, os pontos de corte foram estabelecidos usando algoritmos (CART e Cutoff Finder) em dados clínicos, de sobrevida e da área do músculo peitoral. “Avaliamos a eficácia desse nosso modelo em um conjunto de validação, que incluiu 36 pacientes tratados na Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu”, destaca Robson Francisco Carvalho, do Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu, orientador de Cury e coautor do artigo.

“Esse estudo representa um avanço importante no entendimento da caquexia em pacientes com câncer de pulmão, pois identificou novos potenciais mediadores e biomarcadores da síndrome, utilizando exames de imagens e análises moleculares para o diagnóstico precoce. A partir dessas descobertas, será possível desenvolver pesquisas sobre estratégias terapêuticas e oferecer um melhor acompanhamento aos pacientes”, explica Carvalho, pesquisador apoiado pela FAPESP em estudos sobre a caquexia.

Anteriormente, o grupo já havia demonstrado a relação entre a presença de determinados biomarcadores tumorais e o risco de desenvolvimento da caquexia, em trabalho também apoiado pela Fundação. “Encontramos que, dentre os tipos tumorais que comumente induzem à caquexia, os de câncer de pulmão apresentam um aumento na expressão de fatores específicos que contribuem para a perda muscular. Alguns desses fatores atuam em receptores de superfície celular de células do tecido muscular, contribuindo para sua perda”, aponta Carvalho.

Os dados de sequenciamento de RNA dos tumores revelaram 90 genes afetados em pacientes com baixa musculatura, que potencialmente são secretados e interagem com receptores de células musculares. Também permitiram identificar células do microambiente tumoral responsáveis pela secreção de fatores indutores de caquexia.

Essas análises revelaram que pacientes com baixa musculatura apresentaram, por exemplo, altas proporções de um tipo específico de linfócitos T CD8+. Embora essas células sejam frequentemente associadas à intensa atividade anticancerígena, nesse caso os cientistas observaram que elas podem estar associadas a um pior prognóstico. Outros pesquisadores já haviam mostrado que células T CD8+ induzem à perda de tecido adiposo na caquexia associada à infecção crônica, mas ainda não havia sido feita essa associação para o câncer de pulmão.

Assim, além de estabelecer parâmetros de predição da caquexia, o trabalho também permitiu identificar células que podem estar relacionadas à síndrome, o que abre a possibilidade para novas terapias. O microambiente tumoral, porém, é complexo, destacam os pesquisadores, e novos estudos são necessários.

O trabalho também é assinado por Diogo de Moraes, Jakeline Santos Oliveira, Paula Paccielli Freire, Patricia Pintor dos Reis, Miguel Luiz Batista Jr e Érica Nishida Hasimoto e envolveu a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Boston University School of Medicine.

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