Existe um consenso cultural de que devemos dizer a verdade.
Os pais, que legitimamente desejam transmitir aos filhos seus valores éticos, buscam uma certa coerência com as premissas que lhes parecem importantes. E a verdade costuma ser uma delas.
Mas as pessoas querem saber se, o que a criança conta, algumas vezes modificando a realidade, seria mesmo uma mentira, ou simplesmente fantasia. Só que, aquilo que por vezes lhes parece inventado, poderia ser admissível, ou mesmo, poderia ao menos ser escutado cuidadosamente, sem que se corra o risco da criança tornar-se uma mentirosa patológica
Ora, as crianças fantasiam, e precisam desse recurso para apreender a realidade. Já a causa da mentira, é inconsciente. Assim, mesmo que a criança “planeje” mentir por não poder admitir a verdade ocorrida, ela não sabe porque faz isso, nem o que a motiva a fazer. É por isso que a causa do ato de mentir não pode, algumas vezes, ser admitido por ela.
Há momentos em que as crianças não dão conta, não suportam estar em desacordo com seus ideais: por exemplo, não ser tão poderosa, ou tão forte quanto almeja, não ter isso ou aquilo, ou mesmo, de não estar à altura dos anseios dos pais. Esses seriam alguns dos motivos que podem levar a criança, (ou mesmo um adulto) a tentar burlar a realidade e se instalar na fantasia. Mas, é claro que há mentiras e mentiras! E será necessário distinguir sua importância e gravidade. Mais do que não admitir a mentira, os pais precisam ouvir de sua criança o que ela tem a dizer sobre isso. E a partir daí, ponderar com ela, fazendo valer o discernimento sobre a questão em pauta.
Por vezes, a punição de um pai vai produzir uma humilhação desnecessária… E assim, não há como descrever como uma fórmula, do que fazer frente à mentira. Cada situação deve ser examinada delicadamente, para que se revele o que há por traz disso, e se avalie a maneira de lidar.
Freud, desde 1913, já nos advertia em seu artigo “Duas mentiras contadas por crianças”,…. “que não devemos tratar levianamente tais episódios na vida das crianças. Seria um sério equívoco interpretar as ditas “más ações” como prognóstico de desenvolvimento de um mau caráter. Não obstante, as mentiras se acham intimamente vinculadas às forças motoras mais poderosas na mente das crianças, e anunciam disposições que levarão a contingências posteriores de sua vida futura e futuras neuroses.”
Portanto, o modo dos pais lidarem com a constatação de uma mentira do filho vai trazer impasses e não será sem mal-estar. É claro que não se faz “vista grossa” ao fato, fingindo que nada aconteceu. Nesse caso, o adulto estaria se colocando como cúmplice de algo que não está podendo ser dito. E se não se pode dizer disso, é porque há algum motivo. É desejável estar atento e à escuta do que a criança tem a dizer.
O mais importante talvez não seja apurar o fato em si, mas justamente o que essa mentira pode estar querendo dizer, “de verdade”.
Referência: Artigo publicado na Revista Canguru- Criando filhos em BH- Abril, 2017, p. 47.
Silvia G. Myssior, Psicanalista, Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente – Faculdade de Medicina, UFMG.
Referência: Artigo publicado na Revista Canguru- Criando filhos em BH- Abril, 2017, p. 47.
Silvia G. Myssior, Psicanalista, Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente – Faculdade de Medicina, UFMG.